20141027

Noite de Domingo

Desertificadas ruas. Somente meus leves passos, a chuva e eu. O asfalto enxugava os grotescos rastros de um dia laborioso. Eu não tinha pressa nem medo. Apreciava cada gota d'água e algum raro e furtivo reluz que evidenciava vida. Nas poucas casas acesas, festas. De repente, acelerei o passo e ensaiei uma monótona coreografia. Melancólica. As iluminadas palmeiras eram as minhas únicas guias ante aquelas inebriadas sombras. Pestanas que se elevavam, imponentes, e que acompanhavam o meu perdido olhar. Sozinha, meditava. Alguns homens me assobiavam pela caminhada. - Oras, mulheres não andam sozinhas à noite? - Firme e segura, respirei profundamente. Me sentia diferente. Minha jaqueta, meu vestido, meus saltos... Eu flutuava, finalmente. E a chuva me abençoou com um belo gesto: devolveu-me o sorriso da manhã.

20141022

[Anda, vem dançar...]

Anda, vem dançar
sob a solene chuva
que nos abençoa o Amor!
O frescor da relva
nos convida e incita
ao grande fervor da Vida.
Ah, delicioso bailar!
Vê, meu hermoso selenita,
a infinita noite?
Um só corpo, uma só alma.
Ah, como é majestoso
esse nosso desabrochar!

20141005

Carta Resgatada I

Há uma estrela brilhantíssima ao Sudoeste, meu querido! Localize-a! Lá estamos nós dois, rindo!
Pare um pouquinho e medite sob o firmamento.
Apareceu o arco-íris, ligeiro, dias atrás; também vi um ninho de sabiá com dois filhotinhos. Isso me emocionou tanto!
Cá entre nós... Há tanta coisa bela que a gente pode perder entre quatro paredes, concorda?
E eis a simplicidade de saber viver! Quando dou um "bom dia" a alguém nas ruas e sou bem-correspondida (coisa rara. É que as pessoas andam cada vez mais desconfiadas e estranhas! Você sabe!), quando vejo uma flor-heroína num jardim quase morto, quando sinto que há esperanças, mesmo que "simples"... Ah! Percebo que não somos vítimas da Vida, tampouco seus meros macilentos espectadores!
É magnífico poder dar uma chance à Existência, dia após dia.