Excursão universitária.
Eu, juntamente a 39 colegas, estávamos prestes a empreender uma grande aventura: percorrer e explorar a misteriosa MODULON.
MODULON, cidade alternativa, consistia em um projeto arquitetônico de jovens estudantes cuja faixa etária ia dos 13 aos 17 anos. Tais adolescentes eram os próprios cidadãos daquele edifício - modulado em quatro andares -, e desta forma simulavam uma nova espécie humana, uma pequena nação experimental.
A paisagem dos arredores de MODULON era curiosa: havia ali um lago que estendia-se a perder de vista, circuncidando a fortaleza de concreto e aço. Ao longe viam-se montanhas e uma exuberante vegetação de Mata Atlântica.
O acesso à referida cidade dava-se através de uma única e estreitíssima passarela. Por isso, tivemos de caminhar em fila rumo a MODULON.
Belo e estranho ao mesmo tempo, enquanto percorríamos a fina e longa plataforma "de pedra", o lago nos sorria com as delicadas ondas que o vento lhe desenhava.
Um por um, e finalmente todos adentramos o hall da cidade-edifício. Fomos prontamente recebidos por uma jovem que aparentava 14 anos de idade. Disse ela, com frialdade robótica: "Bem-vindos a MODULON. Estamos ainda em fase experimental; muito em breve multiplicaremos nossos módulos. Sugiro que sigam as instruções e indicações das placas. Advertência: vocês podem aqui entrar, mas nada garante que daqui saiam. Divirtam-se e boa sorte." - Sua voz era tétrica. Muitos dos meus colegas sentiram medo e já se encontravam tensos. Mas, como estávamos todos unidos, havíamos prometido a nós mesmos a vigilância e o auxílio necessários durante a caminhada.
A garota desaparecera num piscar de olhos. Estávamos agora sozinhos, ao sabor das vicissitudes da sorte.
Iniciamos, pois, o percurso.
Era um prédio frio e cinzento. Não havia qualquer tipo de iluminação artificial. Havia muitas escadas, rampas e abismos. Pois bem, tais abismos eram tanto os vertiginosos vazados dos interiores - verdadeiros buracos quadrados e retangulares - quanto as aberturas que davam para o exterior - o enorme lago. Ressalte-se que não existiam quaisquer grades ou guarda-corpos entre essas perigosas sendas e a iminente queda dos transeuntes. Havia, porém, contínuas barras de aço, soldadas em todas as paredes. Em suma, parecia-me um edifício mais "aberto" do que "fechado".
Como ainda era cedo, a luz do dia nos guiava facilmente. Em contrapartida, vez por outra, adentrávamos nichos e vestíbulos escuríssimos.
Já no primeiro andar - o térreo -, deparamo-nos com uma rampa tão estreita e longa quanto a plataforma externa de acesso. A única alternativa era subir. Precavidos, meus colegas e eu segurávamos firmemente na barra de aço da única parede; e assim seguimos apreensivos.
Logo na metade desse percurso, uma forte corrente de vento (um grande ventilador!) nos ameaçou o equilíbrio. Algumas pessoas não resistiram e caíram, deixando-se levar rampa abaixo.
(É claro, todos se solidarizaram com aqueles que encontravam maiores dificuldades, e ajudavam-se mutuamente, sempre que possível.)
Por entre rampas e escadas, ora a subir, ora a descer - muitas vezes apresentavam-se as duas alternativas no mesmo platô -, encontrávamos grupos de adolescentes perniciosos (como se fossem "gangues"). Alguns deles apresentavam armas brancas ou de fogo; outros nos agrediam fisicamente; outros já tinham a medonha aparência de pequenos monstros - mutantes.
Eu e alguns colegas enfrentamos aqueles franzinos jovens. Sim, eram todos muito magros. Mas tinham uma força e uma agilidade descomunais.
De andar em andar, a dificuldade aumentava. Ora apareciam inimigos em maior número, ora surgiam mais rampas e escadas, ora tudo ao mesmo tempo - daí a nossa premência, a nossa sujeição à sorte. Por exemplo: podia ser que aquela escada que desce nos levasse ao andar superior ou vice-versa. Quanto às rampas, idem. Questão recorrente e dramática.
Enfrentamos, pois, incontáveis quedas, devastadoras correntes de vento, e outras surpresas de diversas naturezas.
Foi assim que percebemos que o ser humano é limitado: não temos "superpoderes"!
Abrimos mão de nossos orgulhos a fim de unirmo-nos ainda mais aos outros colegas.
A união, afinal de contas, faz a força. E foi com essa filosofia - aprendida a duras custas - que prosseguimos.
Quando uma colega caiu do terceiro andar, no profundo lago, fomos todos salvá-la. Lembro-me muito bem disso.
Um detalhe: quando estávamos no segundo andar, um belo jovem nos avisou: "Cuidado com o lago. É o mais profundo e perigoso do mundo inteiro. Quem ali cair, dificilmente sairá com vida! HAHAHAHAH!" - Sua risada ecoou em minha mente. Insistente risada. Senti muito medo e pavor. Mas consegui, por mim, fazer a minha parte, ao resgatar alguns colegas daquelas infectas águas lacustres. E vislumbrei muitas outras cenas semelhantes.
Como se não bastasse tudo isso, chagas apareciam nos corpos de quem mergulhava no "sorridente" lago.
Em determinado ponto do trajeto, cada um foi levado pela sua própria sorte.
Outro detalhe: cada andar tinha uma cor característica. Azul, cor-de-rosa, amarelo, verde. Às vezes, essas cores misturavam-se com aquelas das rampas precedentes. As escadas, por sua vez, eram sempre cinzentas; as paredes também. Quando não havia paredes, nem rampas e nem escadas, tudo tomava uma só cor. E vejam bem: entre os andares, reafirmo, havia platôs intermediários.
(É muito difícil detalhar tudo aquilo que vi e senti. Um desafio!)
Quando enfim antingimos o quarto e último andar, já entardecia. Apreciamos o pôr-do-sol ante a rampa secreta - aquela que nos trouxe de volta ao ponto de partida.
Todos vivos, mas alguns doentes.
Saímos, não sem cansaço e respirações ofegantes, de MODULON.
Salvos!
Mas uma pergunta ainda me perturba: será que alguém morreu e não percebi?
(Registro do último sonho.)
[Imagens: Desenhos de minha autoria, da época de Arquitetura e Urbanismo. Projeto feito em 2002. Lápis de cor e caneta-nanquim. Desenhos muito semelhantes às perspectivas do MODULON. Tudo espantoso, tudo revelador, assustador! E já faz 8 anos...]
Ninguém na trincheira.
Postar um comentário