Calaram-se, os três, e riram, deslumbrados à idéia de que agora sim, estavam completamente doidos — os pais tinham razão.— Es una cosa terrible, la inteligencia! — Unamuno não era terrorista. — Dê três exemplos de situação terrorista. — Um grito na igreja, uma gargalhada no velório, um árabe no elevador. — Muito brando. É o que se pode chamar, apenas, de “terrorismo cor-de-rosa”. O verdadeiro terrorismo é o absurdo mais terrível, por exemplo: o do homem que se apaixona por um fio de cabelo da amada, e quer viver com ele, dormir com ele, ter filho com ele... — É, meus amigos, o inevitável aconteceu. — Bom lema para o terrorismo: O Inevitável Aconteceu! Se considerarmos o aconteceu, aí, como substantivo e não como verbo.— Precisávamos é de uma coisa para símbolo. — A coisa — prosseguiu Eduardo: — A Coisa é o símbolo. Ninguém sabe o que é. Está em toda parte e não está em lugar nenhum. Assume todas as formas. Pode ser um sentimento, um objeto, uma cor — só que tem de ser uma coisa, isto é: um substantivo. Por isso concluímos, há pouco, que aconteceu não era verbo. Onde a Coisa estiver, aí estará o terror. Os outros dois ouviam, um tanto apreensivos. Eduardo falava sem parar: — Me lembrei de uma coisa inventada por Salvador Dalí — A Coisa era um pão. Sairia no jornal com manchete assim: “O Inevitável Aconteceu — A Descoberta do Pão”. Um pão monumental, exatamente igual a um pão-francês comum. A diferença estaria no tamanho: mediria dois metros de comprimento. O pão era encontrado na rua, levariam para a polícia. Estará envenenado? Conterá explosivo? Propaganda política? Os comunistas, o pão-para-todos? Anúncio de padaria? Os jornais comentavam e discutiam o que fazer do pão. Era só o assunto ir esfriando, e um pão maior ainda, de cinco metros, amanhecia atravessado no Viaduto. Toda a cidade empolgada com o mistério, a polícia desorientada, o pão analisado nos laboratórios. E continuava o problema: que fazer com ele? Para despistar, um de nós escrevia um artigo sugerindo que fosse cortado em milhares de pedaços e doado à Casa do Pequeno Jornaleiro. No Rio, em São Paulo, Recife, Porto Alegre começavam a aparecer pães, cada vez maiores, nos lugares públicos. Eram os membros de uma sociedade secreta já fundada, a Sociedade do Pão, que começavam a trabalhar. E um dia surgiria outro pão gigantesco em Roma, outro em Londres, outro em Nova Iorque. A humanidade deixaria de se preocupar com seus problemas, as guerras seriam esquecidas, até que resolvessem o mistério do pão. Era a vitória pelo Terror. — Você já pensou no tamanho do forno para assar esse pão? — Isso não é problema para nós: a idéia é de Salvador Dali, que, aliás, é um vigarista. — É uma besta. — Falso terrorista. — Abaixo Dali!
(Fernando Sabino, in "O Encontro Marcado") Quando vejo a palavra "inevitável" não consigo pensar em outra coisa...
Comunicado: Ao copiar quaisquer textos, poemas, poesias, imagens e afins, pessoALL, não tomai em vão vossos tão nobres corações e consciências. CITAI AS FONTES! Respeitai-vos uns aos outros! Assinado com louvor, Carolina Tinoco.
2 na trincheira.
Calaram-se, os três, e riram, deslumbrados à idéia de que agora sim, estavam completamente doidos — os pais tinham razão.— Es una cosa terrible, la inteligencia!
— Unamuno não era terrorista.
— Dê três exemplos de situação terrorista.
— Um grito na igreja, uma gargalhada no velório, um árabe
no elevador.
— Muito brando. É o que se pode chamar, apenas, de “terrorismo cor-de-rosa”. O verdadeiro terrorismo é o absurdo mais terrível, por exemplo: o do homem que se apaixona por um fio de cabelo da amada, e quer viver com ele, dormir com ele, ter filho com ele...
— É, meus amigos, o inevitável aconteceu.
— Bom lema para o terrorismo: O Inevitável Aconteceu! Se considerarmos o aconteceu, aí, como substantivo e não como verbo.— Precisávamos é de uma coisa para símbolo.
— A coisa — prosseguiu Eduardo: — A Coisa é o símbolo.
Ninguém sabe o que é. Está em toda parte e não está em lugar nenhum. Assume todas as formas. Pode ser um sentimento, um objeto, uma cor — só que tem de ser uma coisa, isto é: um substantivo. Por isso concluímos, há pouco, que aconteceu não era verbo. Onde a Coisa estiver, aí estará o terror.
Os outros dois ouviam, um tanto apreensivos. Eduardo falava sem parar:
— Me lembrei de uma coisa inventada por Salvador Dalí — A Coisa era um pão. Sairia no jornal com manchete assim: “O Inevitável Aconteceu — A Descoberta do Pão”. Um pão monumental, exatamente igual a um pão-francês comum. A diferença estaria no tamanho: mediria dois metros de comprimento. O pão era encontrado na rua, levariam para a polícia. Estará envenenado? Conterá explosivo? Propaganda política? Os comunistas, o pão-para-todos? Anúncio de padaria? Os jornais comentavam e discutiam o que fazer do pão. Era só o assunto ir esfriando, e um pão maior ainda, de cinco metros, amanhecia atravessado no Viaduto. Toda a cidade empolgada com o mistério, a polícia desorientada, o pão analisado nos laboratórios. E continuava o problema: que fazer com ele? Para despistar, um de nós escrevia um artigo sugerindo que fosse cortado em milhares de pedaços e doado à Casa do Pequeno Jornaleiro. No Rio, em São Paulo, Recife, Porto Alegre começavam a aparecer pães, cada vez maiores, nos lugares públicos. Eram os membros de uma sociedade secreta já fundada, a Sociedade do Pão, que começavam a trabalhar. E um dia surgiria outro pão gigantesco em Roma, outro em Londres, outro em Nova Iorque. A humanidade deixaria de se preocupar com seus problemas, as guerras seriam esquecidas, até que resolvessem o mistério do pão. Era a vitória pelo Terror.
— Você já pensou no tamanho do forno para assar esse pão?
— Isso não é problema para nós: a idéia é de Salvador Dali, que, aliás, é um vigarista.
— É uma besta.
— Falso terrorista.
— Abaixo Dali!
(Fernando Sabino, in "O Encontro Marcado") Quando vejo a palavra "inevitável" não consigo pensar em outra coisa...
"Por acaso", o inconsciente coletivo eclodiu!
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