20110418

Duo em G#m

Tinha um quê de cidade interiorana. Havia ali belos sobrados com lambrequins e jardineiras frontais. As ruas eram estreitas, com calçamento de pedras, e quase não havia ruídos de motores.
Meu foco era uma dessas ruazinhas. Ou melhor, parte de uma. Havia algo especial naquele momento. Era uma tarde ensolarada, e o ambiente inspirava mistérios de praça antiga. O movimento era raro.
Repentinamente, do segundo andar dos sobrados que pareavam-se frente a frente, surgira um casal; ambos debruçavam-se em seus guarda-corpos de metal de seus respectivos varandins. Entreolhavam-se com melancolia e vislumbravam, complacentes, a paisagem abaixo. Estavam separados apenas pela largura da alameda; no entanto, pareciam conformados com a impossibilidade do encontro.
Logo, a surpresa: com lágrimas, a moça empunhara um arco de violino e assim iniciou a sua sinfonia ali mesmo, como se o gradeado do balaústre fosse o seu encordoamento. O rapaz fizera o mesmo, não com um pouco de tristeza. Desta forma, os arredores foram tomados por aquele diálogo musicado entre os jovens apaixonados.
O dueto crescia. Robustecia-se. Hipnotizava. Enquanto isso, senti-me completamente arrebatada em vertigens. Agora, estava observando o casal de dentro de um sobrado vizinho, sozinha. A música embriagava-me, e não conseguia mais me deter.
Desesperada, delirante e em estado de perda de consciência, descia cambaleante uma extensa e obscura escada em caracol. Arrastava-me e gritava. Agora a sinfonia distorcia-se e retumbava cada vez mais, dominando todo o meu corpo em convulsão.
Numa síncope, desmaiei.
Quando finalmente acordei do pesadelo, a música já não mais retumbava. Voltara à harmonia. Então, quando dei por mim, percebera que era eu a moça do varandim. E o rapaz tinha desaparecido. Eu tocava e solfejava só.

(Registro do último sonho.)

2 na trincheira.

roy disse...

Isto é mais que um sonho. Talvez a cena de um filme.
Imagino a melodia insistindo em permancer após o desfecho.

Feérica "Psychedella" Fuzilêra disse...

Uma melodia reticente, Roy. Essa é a verdade!