Nos
encontramos ao acaso, guiados por certa senda deserta que sugeria uma mescla
das paisagens interioranas mineiras e paranaenses. Fazia frio, e a matinal
neblina tornava tudo solitário e lúgubre.
Caminhávamos
em sentidos opostos, e não havia ninguém nos arredores. Pressenti a tua
presença, de repente. Pouco a pouco, através daquela nebulosa estrada, avistei
teus cabelos dourados, e assim tua figura revelava-se com silenciosa sobriedade
angelical. Minha fronte empalidecia ao mesmo tempo em que minhas madeixas se
agitavam com o vento. Ambos os cachecóis, o teu e o meu, então se enlaçaram.
Não
houve palavras quando nos defrontamos – apenas um forte e longo abraço
emocionado. Logo, você convidou-me a visitar a tua casa. Hesitei um pouco, mas
aceitei. Eu estremecia por dentro, porém você estava plenamente seguro de si,
com o braço envolvendo-me a cintura.
Quando
chegamos ao destino, permaneci por algum tempo a apreciar a bela simplicidade
de teu lar e do enorme jardim que o circundava. Então, você me tomou pela mão e
adentramos aquela pequenina casa que cheirava a incenso. Fiquei encantada!
Tua
casa era bem-frequentada por amigos. Quase todos os dias essas pessoas marcavam
a sua presença, a alegrar o ambiente.
Não
demorou muito, e um grupo de seis bateu à porta. Achei interessante a maneira
como ficavam tão à vontade! Tentei me entrosar com eles, mas a recíproca foi
negativa. Percebi que o universo que haviam criado ali era somente de vocês –
então comecei a sentir um mal-estar, como se fosse uma intrusa. Mas você me
assegurou de que estava tudo bem, e que eu era a tua convidada. Tentei me
aliviar um pouco; mas a partir daquele momento me mantive à espreita.
Compartilhávamos
vinho, acendíamos incensos de aromas diversos, tocávamos violão, cantávamos...
O ambiente era só Vida! No entanto, os olhares dos outros em minha direção
tornavam-se cada vez mais hostis. Você tentava me proteger como podia. Eu
tentava ignorar o clima ruim que estava se constituindo por parte de teus
amigos, mas não havia outra maneira a não ser sair de lá. Fui até o jardim,
meditativa, a conversar com as rosas. Quando você percebeu a minha ausência,
correu a me procurar – e encontrou-me sentada por entre as flores, como um
bichinho assustado. Você tentou me acalmar, e caminhamos em direção à casa.
Mas
não deu tempo. Teus amigos começaram a nos provocar e apresentaram armas a fim
de me expulsar.
Tentei
te levar, num impulso de fuga, mas você me soltou as mãos. Corri muito, até me
deparar com um grande muro. Me recostei de pé contra a fortaleza, ofegante, e
eles vieram em minha direção. Apresentavam fuzis, revólveres, granadas, armas
brancas. Num susto, outros surgiam de trincheiras – agora, o cenário era de
guerra!
Você
correu e me abraçou. Choramos. Mas você me surpreendeu com uma alavanca que
existia dentro de uma caixa embutida no muro. Fitando-me desesperado, como se
fosse a última alternativa, acionou-a. Tudo começou a trepidar cada vez mais
intensamente. O muro rasgava-se, prestes a explodir, e finalmente consegui
fugir.
Chorei,
decepcionada, a observar a catástrofe que estava a ocorrer. Num repente, tudo
foi pelos ares.
"Todos
mortos! Todos mortos! Meu Pequeno, por que você fez isso?!" – O desespero
e o desolamento me faziam soluçar cada vez mais alto. E arrancava vigorosamente
trapos de meu vestido roto.
"Carolina...
Aqui estou..." – Reconheci a tua voz! Onde estaria você? Onde?
Procurei
por ti, mas as lágrimas ardiam. Até que avistei, próxima ao local da
alavanca, do lado de fora da fortaleza, uma luz dourada que me ofuscou. Esperança.
[Registro
do último sonho.]
Ninguém na trincheira.
Postar um comentário