Quando papai faleceu, alguns familiares nos visitaram. Mas minha mente estava tão perturbada, que não consegui ficar por muito tempo entre eles.
Então me sentei em sua cama e permaneci por horas a chorar e a falar com o travesseiro onde ele se deitava, juntamente ao meu também saudoso bichano Cigano.
Passada a animosidade à flor da pele, voltei ao lugar onde todos estavam reunidos, que era a varanda da casa.
De repente, algo me chamou a atenção. Era uma pequena mariposa cambaleante no cimo de ardósia, que separava a aglomeração familiar do quintal. Me mantive o mais distante possível de tudo, ressalte-se.
Passei a fitá-la veementemente, como se os meus olhos pudessem levantá-la de onde eu estava – estática e quase catatônica.
Ela lutava, sim. Caía, se levantava, e isso se repetia infinitamente. Me compadeci com o seu sofrimento, mas não me movi.
Enfim, todos se despediram naquela noite. Eu, por mim, já não aguentava mais toda aquela movimentação. Só pedia a Deus o silêncio.
No dia seguinte, vi a mesma criaturinha a batalhar pela sua sobrevivência. Observei-a com carinho e notei que havia melhorado – mas estava pousada no mesmo local. Ganhando forças.
Ainda estava muito cansada e dolorida por dentro, claro. Apenas queria dormir e mais nada. Mamãe, idem.
Mais um dia se passou e, bem cedinho, me deparei novamente com a mariposinha resiliente. No entanto, ela logo caiu e, acidentalmente, mamãe pisou nela, sem querer, enquanto "conversávamos". Ah... A pequenina ainda tentou, mas sucumbiu – estava morta. Chorei e peguei-a delicadamente para mim.
Semanas depois, mamãe resolveu vender o nosso carro, justamente para se livrar de uma forte memória do papai.
Não demorou muito, e surgiu um comprador – era um amigo do meu cunhado. Assim, ele veio ver o veículo, e fechou-se o negócio.
Acontece que, antes de o carro ser efetivamente levado, Alan havia verificado o que poderia ter lá dentro. Surpreendentemente, ele achou uma grande mariposa dentro do porta-luvas.
Entrei em choque, ligando os momentos da pequena mariposa lutando pela sua vida e a descoberta de que papai já havia guardado outra dentro do carro!
Acredito piamente que, como o meu pai sempre foi misterioso, ele mesmo deixou sinais de que estava "se despedindo" por todos os cantos. Digo isso com propriedade, já que até hoje encontramos coisas escondidas dele pela casa.
E um ano se completa sem ti, papai. E tenho certeza de que estás num lugar muito melhor.
Saudades eternas.
Te amo muito!
Fotografia das mariposas - por mim;
Fotografia do Papa e do Cigano - por Maman.
Fotografia do Papa e do Cigano - por Maman.
Ninguém na trincheira.
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